Esta critica não é de minha autoria. É do meu amigo Linck, como pode ler no título. Linck é o melhor cara para escrever um critica deste filme que eu conheço. Ele não é só o maior fã do Batman que eu já vi, como também entende MUITO de cinema (também, se formou nisso).
A BOA, A MÁ E A FEIA GOTHAM CITY
Se você viu no título desta resenha uma referência ao clássico western de Sergio Leone, Três Homens em Conflito, saiba que não foi mero acaso... mas isso você leitor perceberá melhor ao decorrer do texto. Antes de tudo, quero apenas explicitar o que não farei aqui: não darei notas estúpidas para um filme, como se ele tivesse alguma excelência a alcançar - cinema é arte, não ensino médio; não procurarei sustentar o tolo mito da imparcialidade, até porque não sou jornalista; e, por fim, esta crítica é livre e não me sinto nem um pouco constrangido em delirar, comparar absurdos ou falar da minha trajetória pessoal com o morcego amoral de Gotham City.
Quando fiz minha dissertação de mestrado onde procurei identificar elementos da morte conceitual do homem da segunda metade do século XIX em Batman, eu não sabia que talvez apenas estivesse com meu sonar conectado em muitos outros pensamentos semelhantes, entre eles, o da equipe de Batman – O Cavaleiro das Trevas. Os irmãos Christopher e Jonathan Nolan trouxeram ao universo do morcego negro reflexões típicas da crise de valores, ideais e vontades do homem moderno. Desnorteado nas escuras selvas de aço e concreto, o filho moderno reage ao único sentimento que lhe resta: medo – e desta reação, iniciam-se as maiores aberrações... como Batman.
“O BOM”
Como inicialmente desenvolvido em Batman Begins – e até mesmo, nos quadrinhos ou na primeira cinessérie de Burton e Schumacher –, Batman nasce da tentativa de controle do caos que assolou o jovem Bruce Wayne. No morcego, a criança que nunca cresceu enxerga um outro fantástico e terrível ideal. É com as conseqüências desta sombria escolha, sua transição de vontade individual para inspiração social que Batman (Christian Bale) deve arcar no começo de O Cavaleiro das Trevas. Novas aberrações estão brotando da reprimida Gotham: Espantalho, Coringa, Duas-Caras ou a gangue de Batmen são apenas a ponta de uma pedra difícil de ser lapidada. Bruce Wayne não sabe lidar com os monstros que brotam da fria cidade, e como Alfred (Michael Caine) sabiamente o lembra, se tais crias cruzam a linha, é porque o homem-morcego a cruzou primeiro. Batman é um resgate do possível, a lembrança de que todos nós temos o poder para fazer algo, para reagir – seja da forma que for. Será na consciência madura desse poder, e de suas reais implicações, que o “Bom” fará sua decisiva escolha ao final do filme, distanciando-se dos meros reflexos que são os insanos gothamitas à procura de uma nova luz de verdade. Mas isso retomarei mais adiante...
“O MAU”
O Coringa (Heath Ledger) incorpora o único ideal capaz de abalar Batman: o niilismo. Se o morcego procura alguma razão para continuar de pé e lutar, Coringa gargalha de tudo e derruba valores um a um. Seu grande plano é fazer Batman quebrar sua única regra – não matarás – e para isso o príncipe palhaço do crime, que se auto-intitula um agente do caos, não medirá esforços para a conversão do morcego. Humor negro, sadismo, mentiras, manipulação são cartas do baralho do vilão... Com muito pouco Coringa consegue colocar uns contra os outros, e provar por meio do promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart) que todos nós se levados ao limite, simplesmente podemos quebrar – esse discurso é a linha mestra da história em quadrinhos “A Piada Mortal”. A discussão de valores entre Coringa e Batman, dividido em duas partes – a cena do interrogatório, e no confronto final – mostra que se um Cavaleiro das Trevas existe, um palhaço assassino também deve se fazer presente. Um complementa o outro: se Batman nos lembra que ainda podemos resistir, o Coringa igualmente nos avisa que talvez nem valha tanto a pena assim continuarmos firmes.
Justamente pela necessidade de coexistência de uma contra-parte, Batman e Coringa estarão fadados ao eterno confronto: o morcego não mata o palhaço porque isso o faria deixar de ser aquilo que ele escolheu ser, e o contrário não ocorre porque o que um niilista como o Coringa faria sem um Batman para persuadir? Se Batman é a insistência de um sonho infantil, o Coringa é a decepção de valores de um adulto. “Essa cidade merece uma classe melhor de criminosos”, diz o estilizado vilão. Dinheiro, respeito, liberdade pouco importam para o criminoso do futuro. Sua guerra estará na perdição da alma humana, no assistir o mundo pegar fogo... e pensando de forma extra-moral, ao ouvir o convite do caos do “Mau”, nos questionamos: e por quê não?
“O FEIO”
Harvey Duas-Caras é o resultado da disputa pelas almas de Gotham – e não é a toa que ao final do filme, o antes belo promotor público se torna a feia aberração dividida em dois, dependente de uma moeda para escolher os arbitrários códigos do morcego ou as negações valorais do palhaço. Ao perder a possibilidade de uma vida normal com Rachel (Maggie Gyllenhaal) e a confiança na justiça na figura do Comissário Gordon (Gary Oldman), Harvey Duas-Caras desvenda uma verdade talvez ainda mais sombria que a do Coringa: valores, conceitos, homens... tudo isto não se trata de afirmações ou negações, mas de mero acaso. Ser ou não ser, eis a dupla questão! A cena final do vilão é o último estágio da caracterização da crise do homem moderno – na consciência do dualismo em jogo, nossas escolhas tornam-se meras aleatoriedades circunstanciais... como num lançar de uma moeda. E é essa a feia constatação do “Feio” homem contemporâneo.
“O CONFLITO”
Será nesta guerra, nesses três homens em conflito e o amadurecimento dos personagens periféricos – destaque a Gordon e Lucius Fox (Morgan Freeman) –, num filme que vai de boas a excepcionais atuações, bela fotografia, boas sacadas de roteiro, ritmo envolvente e uma trilha sonora tensa e sombria, que Batman se transformará no Cavaleiro das Trevas. Ao optar por assumir os crimes de Duas-Caras, afim de que Gotham não perca a imagem do belo e heróico promotor Harvey Dent, o morcego vislumbra a sua verdadeira sina. Batman constata a ausência de uma verdade, de um valor supremo, e assim, o final torna-se poético: o herói se sacrifica, o bat-sinal na torre da polícia é destruído, e cambaleando por becos, perseguido por policiais e cães raivosos, o não-herói se torna um Cavaleiro das Trevas, envolto na escuridão, desgraçado e maldito, resistindo como ninguém, e não porque não resta mais nada a fazer, mas porque é o único quem pode.
Algumas críticas apontam que o Batman de Christian Bale é apagado diante dos vilões que enfrenta durante o filme. Não sei sinceramente se concordo, mas se for mesmo isso, acho ainda mais interessante o filme. Lembro-me vagamente de uma entrevista com Tim Burton, quando Batman Returns foi acusado da mesma questão, e Burton replicou que o homem-morcego “gosta das trevas, seu lugar é ficar no meio do escuro, e não aparecer muito”. Ao meu ver, em outras palavras, Batman é um falso coadjuvante. Sua atuação sempre fica em segundo plano, na conseqüência, e não na causa... mas Batman é a personificação de Gotham, e esta é a real protagonista do filme: uma babilônia moderna de homens melancólicos e valores perdidos.
(Em breve, a critica do Zaa também constara aqui).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
21 comentários:
Zaa estou invadindo teu blog com consentimento do Linck. esolva essa pendencia com ele...rs
Bem, no que tange a crítica gostaria de dizer que concordo que realmente o Batman de Bale e um pouco apagado mas creio que se não fosse a ideia de um cavaleiro das trevas cairia por terra. Qnto a um possivel conflito do coringa, cm ja disse ao Linck, não consigo vislumbra-lo. Para mim (minha humilde opnião...rs) Coringa está acima do bem e do mal e o fato de não conseguir convencer o Batman e mais um motivo para que ele consiga continuar vivendo em seu mundo de prazeres e sem ética...
Mas isso e so minha simples opnião...
Abrç!
Invada a Caverna quando quiser Gi.
Espero que tenha interesse de voltar.
Então Gi, concordo contigo, a questão é quem reage, de certa forma está ligado a quem age. O Coringa não é livre porque o caminho que ele toma não é a-moral (por fora da moralidade), mas i-moral (ele apenas executa o mesmo mecanismo, mas no lado oposto). Por isso ele tem sim um conflito. Apesar de ele negar a moral, toda vez que revida, se vê invariavelmente presa nela.
Concordo com o Linck nesse ponto.
O Coringa, mesmo dizendo que ele combate os indivíduos que fazem os planos e mecanizam tudo, ele igualmente faz planos mirabolantes à todo momento. Não escapa à regra. E isso faz ele ter um conflito, mesmo que a consciência dele diga o contrário.
Acho que a questão maior talvez não seja a moral, mas a questão do controle contra o caos. Acho que o caos não tem uma moral definida, tanto é que o Harvey Dent chega a dizer que a única coisa justa é o acaso.
E quanto ao Batman estar apagado, julgo que foi mais uma decisão de desenvolver outros personagens.
Ele já foi muito bem trabalhado no Begins. Centrar ele demais de novo eu acho que ficaria exagerado
outra coisa que me surpreendeu foi o Cavaleiro das Trevas não se centrar tanto no Coringa.
Falavam tanto dele antes do lançamento, que no fim eu pensava que iria adorar esse filme e que uma continuação nunca teria como manter o nível.
Achei muito bem explorado o Harvey Dent. Assim como o surjimento do vilão dele, como na maneira de ele já ser morto. Pensei que acabaria num gancho meio forçado pra um próximo filme.
Acho que assim eles têm maior liberdade pro futuro.
Também acho que ele não tá apagado, o filme é sobre ele, no fim das contas. Mas a narrativa do filme é quase um esquema Cidadão Kane, no qual fala-se sobre o personagem em vez de só mostrá-lo agindo.
O filme mostra ele agindo, óbvio, mas tudo que os outros personagens fazem acaba recaindo (e põe "caindo" nisso) em cima do Bátima.
Mas para Duas-Caras a moeda é um Deus. O acaso, mesmo descontrolado, é um Deus. Vide "Asilo Arkham" onde ele diz que a lua é uma imensa moeda jogada por Deus que caiu com o lado riscado para cima.
A questão da Moeda também é uma maneira de culpar as conseqüências das ações do Harvey em uma coisa externa. Do tipo "não fui eu que atirei, foi a moeda. Ela quis."
Colocar a culpa nos outros de certa forma. Ou em algo, uma entidade, ser divino, etc
Do mesmo jeito que radicais religiosos usam Deus se for pensar.
Boa observação... Agora tô com vontade de rever o filme... de novo!!!
Bem concordo... O Duas Caras tenta de certa maneira se livrar de seus atos. Afinal se nimguem teve culpa do que aconteceu com ele, pq ele teria culpa das atrocidades que poderia fazer. Foi a moeda que escolheu aquele lado...
Não concordo que ninguém teve culpa do que aconteceu ao Duas Caras.
Além do Coringa, num plano maior há as "pessoas que fazem os planos"(só que o Coringa erra em não se incluir nesse grupo também).
Se o Coringa faz o que faz por causa dessas "pessoas que fazem os planos", elas têm certa culpa. Só que essas pessoas criaram conseqüências inesperadas. Como iam saber que por causa deles surjiria uma antí-tese(o Coringa)?
Não vejo o Coringa com alguma culpa. Como ele mesmo diz,é um agente do caos, um cão correndo a traz de um carro. Se alguem é culpa, foi que soltou o cão raivoso na direção de Dent. Até ai, inclusive acho que o Duas Caras estava atacando os culpados até o momento que foi a traz do Maroni.
Na verdade, até quando ele vai a traz de Gordon e Batman, ele esta julgando certo em quem são os culpados. Ambos, indiretamente tem sua parcela de culpa.
Mas de todo modo, o Coringa foi como uma arma, ele em si não é o responsável, responsável é quem puxou o gatilho (Maroni) e quem o forçou a tal (Gordon, Batman e até o próprio Dent).
Bem não estou falando que ninguem tem culpa real do que acontece com o Duas Caras... Mas o "Eu sinto muito" não funcionou muito para ele. A conexção mental que ele fez é que se nimguem teve a intenção de que aquilo acontecesse com ele e possivel também se esconder atras de algum artificio que de a ele o engodo de que ele nunca está errado...
Ahhh se alguem quiser saber minhas opniões entre meu meu blog renascido pelo Batman (rs)
http://paraisoletal.blogspot.com
Abrç!
Já fui lá e li.
É, o coringa funciona como um agente para uma força maior. Ele é quase uma aparição, um anjo(bem caído no caso) que traz a mensagem. Se não fosse ele, seria um outro no lugar.
Mas mesmo assim não tira o fato dele querer ser esse agente. Ele escolher esse caminho/modo de viver quer dizer que ele têm certa responsabilidade, ele fez uma escolha, têm responsabilidade.(minha opinião né)
Aplicando isso à algo mais pé no chão, eu no lugar do Dent não escutaria nada do que ele disse, mesmo o Coringa tendo razão. Numa situação dessas, qualquer um colocaria a culpa no Coringa. Era mais plausível o Dent pular direto no pescoço do Coringa. Talvez depois ir atrás dos demais. É o que um ser humano faria, eu acho. Mas não importa, dentro da proposta do roteiro serviu bem.
Gosto e concordo com muitas coisas do artigo apresentado pelo Linck. Confesso que ficou com um gostinho de quero mais...
É interessante pensar que enquanto os supostos "planos" - parafraseando o Joker - da modernidade e da civilização ocidental parecem relativamente sólidos, ou mesmo racionais, em essência não o são. Basta uma ameaça aqui, uma explosão ali e tudo cai tão fácil.
Me intriga a visão do Lick de pensar Batman como um garoto que se decepcionou com o projeto moderno civilizatório, mas que ainda busca sentido ou criar sentido para sua vida, combatendo o crime e simbolizando com seu medo o desejo de salvar gotham ou mesmo de alcançar alguma redenção para o seu destino trágico. Ao mesmo tempo, temos um adulto que é a vítima deste mesmo mundo de falsas esperanças e de valores, outrora incorruptíveis, sendo fragilizados e até mesmo pulverizados com coisa baratas como: pólvora, dinamite e gasolina...Realmente: é um mundo engraçado o que vivemos. Mas como disse o personagem Comediante da obra Watchmen: que disse que a piada é boa?
Duas-caras realmente é a síntese da dualidade Batman e Coringa: faces da mesma moeda que é Gotham - o mundo moderno em que vivemos.
Realmente esse mal estar em que não podemos definir "bandidos" de "mocinhos" faz tanto sentido se olhado do ponto de vista da lei/ordem quanto do lançar casual de uma moeda...
Que Deus nos ajude...
Postar um comentário